No dia 4 de dezembro, o projeto NEA-BC de Armação dos Búzios organizou uma roda de conversa aberta ao público com o tema – Mangue de Pedra: berço da vida ameaçado. O objetivo da atividade foi escutar as pessoas que estão direta ou indiretamente envolvidas com o Mangue de Pedra e pensar, coletivamente, em estratégias que possam contribuir pela sua preservação.
Foram convidadas para abrir a discussão a quilombola, marisqueira e assistente social, Roselene Pereira; a bióloga e pesquisadora, Talita Menengat e a professora, bióloga e autora do livro Desvendando o Mangue de Pedra: uma história de saberes, encantos e lutas, Fernanda de Moura Borges.
Talita Menengat apresentou os dados colhidos em sua pesquisa de mestrado em biotecnologia marinha sobre o potencial presente no Mangue de Pedra. Segundo ela, há uma variedade de aplicações biotecnológicas, com destaque para a sua própria despoluição e conservação. Este uso é conhecido tecnicamente como fitorremediação e só é possível devido à rizosfera do mangue (ou o conjunto de raízes das plantas), onde os microrganismos reciclam os nutrientes e, por sua vez, trabalham pela limpeza desse ecossistema.
De acordo com a pesquisadora, existem poucos manguezais de pedra situados no mundo; só Brasil, na Índia, Austrália, no Japão e nas Ilhas Galápagos. Enquanto áreas sensíveis às mudanças ambientais e às atividades humanas, citou o avanço das construções na zona costeira e a importância da atuação das entidades civis em defesa do Mangue de Pedra.
Em seguida, Roselene Pereira trouxe a perspectiva histórica, econômica e cultural para a conversa. Nascida e criada no Quilombo da Rasa, relatou que cresceu na praia do seu Pompeu, conhecida hoje apenas como Mangue de Pedra. Ao falar sobre a luta quilombola pela preservação da vida e do mangue, afirmou: “a questão biológica e geológica é importante, mas para mim é um lugar sagrado”. Segundo ela, trata-se de um território marcado também pela presença de ancestralidades, fazendo referência ao povo Tupinambá, dizimado no processo de colonização e à população afrobrasileira que se estabeleceu ali, formando o Quilombo da Rasa.
Ressaltou, ainda, a importância de articulação entre comunidades tradicionais e entidades civis para promover a educação ambiental crítica, a partir de um processo de reeducação que articule saberes ancestrais e técnicos. Além disso, destacou o trabalho das marisqueiras quilombolas através do turismo de base comunitária, pelo qual esperam criar mecanismos de controle dos impactos negativos nesse lugar onde, até hoje, tiram parte do alimento de suas famílias.
Fernanda de Moura Borges, fechou esse primeiro momento da roda com uma apresentação de seu mestrado, publicado também como livro. Por meio da pesquisa bibliográfica, documental e de entrevistas com quilombolas da Rasa identificou entre os principais impactos socioambientais da região do Mangue de Pedra, a poluição pela falta de saneamento básico, aterros e desmatamentos para construções em locais que deveriam ser protegidos.
Para ela , o avanço da especulação imobiliária afeta diretamente as comunidades tradicionais e sua relação com esse território, colocando em risco sua cultura e modo de vida. Nesse sentido, Fernanda Borges destacou a história de resistência de quilombolas, pescadores e marisqueiras e a importância de garantir que essas comunidades tenham representação nos debates que envolvem o Mangue de Pedra enquanto Unidade de Conservação. Seja na permanência da Unidade de Conservação atual, como Área de Proteção Ambiental (APA) ou na mudança para outro formato de UC, essa decisão deve ocorrer a partir de um debate amplo com a sociedade.
Ao abrir a roda de conversa para o público presente, ativistas, ambientalistas e comunitários/as colocaram suas questões e destacaram pontos importantes para pensar em alternativas pela preservação do Mangue de Pedra e pela cultura trazida pelas comunidades tradicionais. Um dos maiores problemas é que até hoje a APA Mangue de Pedra, criada em 2018, não tem um Plano de Manejo. Como encaminhamento, os participantes optaram pela continuidade da discussão em outra roda de conversa, no início de 2025, com o objetivo de articular ações estratégicas entre os grupos envolvidos.
Para a comunitária Noelle Costa Nogueira, o encontro foi bem importante. “Assim pudemos conhecer o território, pois o Mangue de Pedra é parte da história da população buziana tradicional, como as marisqueiras e os quilombolas, que vivem e se relacionam com esse ambiente. Além disso, é um ecossistema raro, que abriga uma rica biodiversidade animal e vegetal, e de fundamental importância para combater os avanços das emergências climáticas”.
Para Caroline Rezende Guerra, outra integrante do NEA-BC, a roda de conversa foi muito rica nas trocas de saberes. “Foi maravilhoso conhecer diferentes visões do mangue de pedra (saberes tradicionais e científicos). Que mais rodas como essas ocorram dentro dos espaços comunitários também”.
Maria Elena Olivares, ativista, artesã, poetisa, educadora ambiental e integrante do Grupo Gestor Local (GGL) desde o início do projeto compartilhou, com a equipe técnica do NEA-BC, uma poesia de sua autoria que fala do seu sentimento pelo Mangue de Pedra, transcrita a seguir.
Ode ao Mangue de Pedra
(Maria Elena Olivares)
Santuário da natureza
Milenares mistérios
No vaivém das ondas
Pássaros e peixes
Em alegres cirandas
Rondam no local
Pedras milenares
Testemunham a
Criação do planeta
Vulcões em erupção
Separam continentes
Depois…
Vem a calmaria
Oníricas paisagens
Submergem no mar
Mito e realidade
Entrelaçam-se
No cantar das ondinas
No ecoar das noites
A realização do NEA-BC é uma medida de mitigação exigida pelo Licenciamento Ambiental Federal, conduzido pelo Ibama.